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terça-feira, 15 de maio de 2018

EAD na saúde sinaliza mercantilização do ensino superior

A flexibilização do ensino à distância na área da saúde foi debatida em audiência pública na manhã desta terça-feira (15), na Câmara dos Deputados. A discussão promovida pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) foi inciativa suprapartidária dos deputados Alice Portugal (PCdoB-BA) e Mandetta (DEM-MS). Alice é autora do Projeto de Lei (PL) 7121/17, que proíbe a autorização e o reconhecimento dos cursos de graduação ministrados à distância na área da saúde. A parlamentar esclarece que não há qualquer tipo de preconceito sobre a modalidade EaD, já que a formação no país tem se beneficiado enormemente com ela. O que deve ser levado em conta é se esta é uma prática plausível e compatível com o nicho. “Temos uma posição realista. Como um enfermeiro poderá fluir sua formação sem a presencialidade com o paciente? O farmacêutico, que trata da toxicologia, traumatologia, altamente ambulatoriais. Como realizá-las? E o fisioterapeuta, como avaliar a situação do paciente sem estar in loco? Afinal, o que inspirou essa modalidade de ensino na área e de que maneira se farão submeter os cursos da saúde à distância ao mesmo rigor avaliatório dos presenciais?”, indaga a deputada. As intenções por trás do avanço desenfreado do EaD na saúde também foram abordadas por Ronald Ferreira Santos, presidente do Conselho Nacional da Saúde (CNS). Ele pontuou que vivemos em um novo tempo, no qual os operadores da atividade econômica são fundos de investimento que mudaram drasticamente o conjunto das atividades econômicas. Para Ferreira, essas ações são mediadas a partir de seus interesses. “Afinal, a saúde serve para alimentar planilhas de acionistas ou para cumprir demanda social? A área deve ajudar no desenvolvimento e na produção de riqueza para o país, claro. Mas em primeiro lugar deve sustentar a dignidade humana e as necessidades da sociedade. É de nossa responsabilidade alcançarmos a organização do Estado brasileiro sobre a produção das coisas, o certo não é o movimento contrário”, pontuou. A representante do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Zilamar Fernandes, destacou que a humanização é um dos principais preceitos da área da saúde, e não pode ser deixada de lado. É preciso garantir a segurança do paciente e capacitar os profissionais para o trabalho em equipe, e nada disso pode ser feito à distância. “No processo formativo, só aprende quem observa e experimenta. Como fazer isso sem ser de forma presencial? Recursos tecnológicos devem ser complementares. A saúde está sendo tratada como negócio lucrativo, e não direito social. É a lógica da expansão sendo definida pelo setor privado. O ser humano é o nosso foco e precisamos dessa integração”, argumentou Fernandes. Patrícia Vilas Boas participou do debate representando o Ministério da Educação, e alegou que a intenção do MEC não é empregar a metodologia de forma totalitária. “É impossível aplicar na saúde a fórmula 100% à distância, não é o que defendemos. É por isso que precisam ser definidas e respeitadas as diretrizes, estabelecidas com participação dos conselhos e profissionais da área. Eles que ajudarão a definir os percentuais de ensinos à distância e presencial”. Mas Ronald Ferreira rebateu o posicionamento ao esclarecer que, em virtude de um hiato legislativo, a ordenação dos cursos da área fica somente a cargo do Ministério. “Por mais que debatamos com representações de conselhos, associações e federações sindicais, nossas sugestões e participação não são levadas em conta. E é nisso que precisamos botar luz. Nossa expectativa é que tenhamos uma regulação onde os conselhos possam ter sua incumbência respeitada e seguida, guardar a ética do exercício social”. Em maio de 2017, o extenso debate sobre a educação à distância no Brasil foi abruptamente atropelado por uma portaria que regulamentou o Decreto nº 9057. A inciativa do MEC possibilita o credenciamento de instituições de ensino superior para EaD sem o credenciamento para cursos presenciais. Com isso, as instituições podem oferecer exclusivamente a modalidade na graduação e na pós-graduação lato sensu. Alice Portugal relatou que a medida deixou a Comissão de Educação da Câmara, que estava em pleno debate sobre o assunto, em um vácuo legislativo. “Precisamos ter responsabilidade profissional, acadêmica e trabalhista. Tratamos aqui de segurança à saúde populacional. Não tivemos processo preliminar, não houve averiguação sobre o uso da modalidade”, pontuou. Por isso, a parlamentar sugeriu que o deputado Mandetta, que deverá elaborar um relatório sobre o ensino à distância na área da saúde, protocole um projeto de decreto legislativo (PDC) para sustar a decisão do Poder Executivo. “Eles alegam que aquele foi o decreto da ‘democratização universitária’, mas estão equivocados. A democratização do ensino universitário veio com a luta. Somente por meio de momentos de debate como este, com um colegiado academicamente qualificado, conseguiremos discutir sua adaptação no atual estágio da construção de um ensino de qualidade”, reiterou Alice.

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